O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes notificou sexta-feira passada os sites Antagonista e Crusoé, para retirarem do ar a partir desta semana uma reportagem e notas publicadas sobre uma menção ao presidente da corte, Dias Toffoli. Segundo apurou a reportagem, o empresário Marcelo Odebrecht afirmou em delação à Polícia Federal que o "amigo do amigo" de seu pai, Emilio Odebrecht, citado dessa forma em sua correspondência, era Toffoli - ao tempo em que se encontrava na advocacia geral da União.
Com isso, numa simples canetada, Moraes reinstaurou a censura à imprensa no Brasil. E em causa própria, para piorar a já arruinada imagem pública da instituição, uma vez que atendeu a um pedido do próprio Toffoli.
A iniciativa foi um bombardeio do STF na Constituição, que tem a liberdade de imprensa como um fundamento basilar da democracia. E estimulou o efeito contrário. Cresceu no Senado a pressão para se criar a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as atividades paralelas de integrantes das cortes superiores - a chamada CPI da Lava Toga -, que estariam usando do cargo em benefício próprio.
A decisão de Moraes foi baseada num inquérito aberto pelo STF em março para apurar fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a "honra" dos integrantes do tribunal. A multa por descumprimento é de 100 mil reais por dia. Ele também determinou que os responsáveis pelos sites deponham em até 72 horas.
No seguimento do inquérito, nesta terça-feira a Polícia Federal deu início a uma operação de busca e apreensão contra "suspeitos" de promover ataques ao STF e seus ministros na internet. Foram dez mandados no total, em Brasília e em São Paulo.
O inquérito também é conduzido por Moraes, que vai se tornando o Torquemada do STF, na liderança da perseguição intimidatória. Um dos mandados ordenou uma busca na casa do general da reserva Paulo Chagas (PRP-DF), candidato ao Governo do Distrito Federal em 2018.
“Caros amigos, acabo de ser honrado com a visita da Polícia Federal em minha residência, com mandato de busca e apreensão expedido por ninguém menos do que ministro Alexandre de Moraes", escreveu Chagas no Twitter, pela manhã. "Lamentei estar fora de Brasília e não poder recebê-los pessoalmente.”
"DECADÊNCIA TOTAL"
Segundo a Crusoé, Marcelo Odebrecht enviou à Polícia Federal esclarecimentos sobre menções a apelidos encontrados em seus emails. Um dos seus interlocutores, identificado por um nome falso, seria Toffoli.
"A decisão de censura à Revista Crusoé, imposta pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, utilizando-se do já absurdo e ilegal 'inquérito' instaurado pelo presidente da corte, Dias Toffoli, agride violentamente a democracia e a liberdade de imprensa", disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor dos dois requerimentos para criação da CPI da Lava Toga.
A iniciativa nao pegou bem igualmente entre outros membros do STF. "Isso [a retirada de reportagens] para mim, é inconcebível" disse à Folha de S. Paulo o ministro Marco Aurélio Mello. "Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura."
"É profundamente lamentável que justamente aqueles que deveriam ser os guardiões máximos da Constituição Federal usem do abuso de poder para inibir investigações e manter o status de impunidade", prosseguiu Vieira. "Deveriam respeitar o cidadão brasileiro e responder às diversas denúncias que se acumulam há anos, sem a devida apuração."
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado decidiu na última quarta pelo arquivamento da CPI da Lava Toga, após a análise de um recurso apresentado pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A decisão final será do plenário, mas cabe a Alcolumbre pautar o tema para votação.
Alcolumbre afirmou que o requerimento apresentado por Alessandro Vieira não reunia os pressupostos constitucionais e regimentais de admissibilidade. No entanto, para não ficar sozinho como autor da decisão, recorreu ele mesmo à CCJ.
"Este país está vivendo tempos estranhos e isso é mais um motivo para esta Casa instalar a CPI da Lava Toga e analisar os pedidos de impedimento dos ministros do STF", reagiu nesta tarde o senador Reguffe (sem partido-DF).
"Será que este Congresso vai permitir que isso aconteça e ninguém aqui vai se rebelar?", disse o líder do PSB no Senado, Jorge Kajuru (GO). "Porque amanhã poderá ser um de nós."
"Lastimo profundamente que esta medida tenha sido tomada", disse o senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR). "Não tenho dúvida de que esta CPI será arquivada porque era a opinião do presidente e foi majoritária na CCJ. Mas isso é censura e já vivemos censura. Agora é censura feita pelo Judiciário? É o fim da picada."
No início da noite, o líder da Minoria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), informou que ele e seu partido apresentaram pedido de liminar ao ministro do STF Edson Fachin para cassar a decisão de Moraes.
“Se alguém tinha dúvidas sobre a urgência da CPI das Cortes Superiores, os ministros confirmam a sua necessidade", disse Vieira. "E quem via risco à democracia na atuação do Executivo agora precisa de se preocupar também com outro lado da Praça dos Três Poderes, de onde se avolumam as ações autoritárias.”
“Quando perdem a legitimidade, a autoridade, a credibilidade, a respeitabilidade e a honorabilidade, as instituições apelam para a força", afirmou o jurista Modesto Carvalhosa. "É sinal de decadência total.”
Fonte: A República
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