(crédito: Cofen)
DAYSE AMARILIO - Enfermeira obstetra, professora e deputada distrital (PSB-DF)
Quando uma categoria luta por direitos e melhorias nas suas condições de trabalho, obviamente, o seu clamor é direcionado. Na sabedoria popular, podemos dizer que está cada um no seu quadrado ou cuidando do próprio umbigo. Está mesmo e em nada diminui a importância das pautas sindicais. Esse foco e destinação presentes nas lutas sindicais são admiráveis e causam revolução, mas, por muitas vezes, nos prendem em um eterno looping de diálogo com nós mesmos.
Você deve estar sem entender o motivo de uma parlamentar em seu primeiro mandato e que foi presidente de um dos maiores sindicatos do Distrito Federal (DF) começar um artigo dessa forma. Não estou criticando a luta de que sempre fiz parte, mas não quero, neste espaço, falar com a enfermagem. Hoje não falo com os meus. Falo com você que estava chegando na seção de economia e parou para ler algumas linhas aqui ou, para você, que gosta de esporte e, por acaso, leu as primeiras linhas deste texto.
Leitor, tomo a liberdade de falar aqui da sua vida particular. Quero que você lembre da última vez que precisou de atendimento médico. Tenho certeza que quem o acolheu de imediato em uma ambulância, em um pronto socorro, na Unidade Básica de Saúde (UBS) ou em um hospital foi um enfermeiro, técnico ou auxiliar de enfermagem. Imagino que, nessa experiência, você tenha tido contato e entendido a responsabilidade que um profissional da enfermagem tem em sua atuação.
A enfermagem possui muita responsabilidade em sua profissão. Em cada ação e decisão, impactamos vidas, a sua vida e de quem você ama. Acredito que você concorda comigo que um profissional exausto com tanta responsabilidade em mãos pode colapsar e pode falhar. Aqui, exponho como a nossa luta impacta a sua vida e a de toda a sociedade. Somos responsáveis pela exaustão e sobrecarga de cada profissional da saúde.
Esses profissionais são, em sua maioria, mulheres chefes de família que trabalham em dois ou três empregos de 20h ou 40h semanais para garantirem uma renda confortável para a casa. Um enfermeiro possui um salário de R$ 1.979,80 para uma jornada de 44h semanais. Um técnico de enfermagem recebe cerca de R$1.376,00 também pelo mesmo turno. Você conseguiria sobreviver e pagar as contas com esse valor? Não, né? Por esse motivo trabalha-se mais, para ganhar mais. Porém se desgastam mais e sofrem mais, erram mais.
A enfermagem é de longe uma das categorias mais subvalorizadas em nosso país. A grande maioria dos nossos profissionais recebem salários de miséria, trabalham em condições insalubres e sofrem constantemente com o assédio físico, moral e até mesmo sexual em seus locais de trabalho — visto que a enfermagem é uma categoria majoritariamente feminina.
A luta pelo Piso Salarial Nacional da Enfermagem atravessa cinco décadas e passa justamente pela perspectiva de dar nova realidade aos trabalhadores. Quase uma dezena de projetos de lei foram protocolados nesse meio tempo e, só em 2020, a pauta avançou com o Projeto de Lei 2564/20.
De lá para cá, foram pouco mais de dois anos de muita luta por valorização, mas também uma luta pela própria vida — uma vez que, além dos baixos salários e péssimas condições de trabalho, a enfermagem teve que enfrentar o coronavírus na linha de frente. Um levantamento publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que mais de 13,6 mil profissionais de saúde no Brasil morreram em decorrência da covid-19, um dos maiores números do mundo e 40% superior aos registros oficiais.
Com muita batalha, o piso salarial finalmente se tornou lei no ano passado — e está previsto na Constituição, por meio da Emenda Constitucional 124. Mas a pressão dos grandes monopólios da saúde — os maiores beneficiados com a precarização da enfermagem — fez com que a medida fosse suspensa um mês depois da sanção. E, mais uma vez, a enfermagem fez um papel que nem era dela na luta pelo piso. Foi ela quem pressionou os parlamentares, solicitou os estudos de viabilidade financeira e, com muito trabalho, conseguiu mostrar um caminho para as fontes de custeio — que foi referendada na Constituição com a Emenda Constitucional 127.
De acordo com o texto, o recurso deve sair de vários fundos de superavit ligados à União e destinados exclusivamente ao pagamento da dívida pública — mas que podem ser utilizados de forma livre caso não sejam aplicados no uso definido. Em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde e o governo federal assumiram o compromisso de implementar o Piso Salarial Nacional da Enfermagem em todo o país, mas até agora a resposta tem caminhado a passos lentos.
O Piso da Enfermagem não é só um reajuste salarial. Significa a mudança da realidade de milhares de pessoas — principalmente aquelas que prestam assistência fora dos grandes centros e enfrentam dificuldades ainda maiores. Por isso, encerro esta nossa conversa convidando-o a também lutar pelo piso. Fale com amigos e vizinhos, comente sobre o assunto e exponha a realidade da enfermagem brasileira. Conto com você.
Comments